sábado, 2 de setembro de 2017

POESIAS ACREANAS - Nazareno Lima - Ecos Amazônicos 1992




O ruído do terçado com areia
Que eu passava numa pedra-de-amolar
E uma garça num igarapé à pescar
Avisavam esta obra muito feia!

O cansaço que me vinha ao fim do dia;
Num balseiro, o chiar duma mucura
E o cheiro da baunilha já madura
Prediziam a chacina que viria!

O sol brando vez ou outra inda brilhava;
Com anelo, esperava-se o noteiro
E um cachorro que latia no terreiro
Predestinavam essa sina que chegava!

O pio agudíssimo dos tucanos
Que eu ouvia em abril após as chuvas
E o chiado sufocante das saúvas
Prediziam o teu fim em poucos anos!

O assobio estridente de um soim,
O alto chalrar de um papagaio ...
E os matutinos pingos do orvalho de Maio
Já previam o início do teu fim!

O agudo pio do gavião-tesoura,
O vôo do urubu-rei fazendo festa
E o zumbido de um serra-pau na floresta
Premonizavam esta ação devastadora!

O pio de um araçari esperto,
Percebendo o ninho de um bentivi
E o zunido da colmeia de jaty
Profetizavam o teu ser virar deserto!

O pio da inhambu-azul de madrugada,
O urro de um capelão desvairado
E o grito de um janau revoltado
Diziam que tua vez era chegada.

Um pica-pau à procura de comida
Reproduzia uma voz assustadora:
Parecia o som duma metralhadora
Disparando contra a tua pobre vida!

* O poeta se expressa como se fosse um 
seringueiro que, ouvindo os sons da floresta
 interpretava como sendo uma previsão 
ou um aviso da invasão dos povos do Sul 
do Brasil para desmatar e com isso 
exterminar quase toda a floresta acreana.

POESIAS ACREANAS - Nazareno Lima - 2014





AGOSTOS 30 - 08 - 2014 -
             Nazareno Lima
   
       - I -
Onde será que andam as nossas flores?
E os bons amores onde se esconderam?
No passado, sempre apareceram
Mas hoje vemos somente as nossas dores!

Nossos perfumes não tem mais odores
E as nossas cores amareleceram
Nossos amigos já se entristeceram
E em mambembes, os nossos bons atores!

Depois de tanto escrever nas lousas
E lutar tanto contra o fim das cousas...
Nós nos tornamos dos homens, os mais tristes:

Mas o consolo que ainda nos resta,
É ver na vida algo que ainda presta:
É admitir que a Poesia existe!

       - II -
Sol amazônico, nem o sentimos mais...
E à noite nem vemos a cor do seu luar;
Vozes não ouvimos: é inútil falar
E nem o orvalho, emoção nos traz!

O som das cigarras, que nos dava paz...
A música de um rádio, em algum lugar...
Nem mesmo a aurora, é inútil raiar...
Nada mais hoje, nos alegre faz!

Mas tudo isto que nos faz ser santos...
E tudo aquilo que nos traz espantos,
Fazendo-nos a descer esse vil declive...

Partindo dessa ordem da Natureza,
Sentimos hoje a maior certeza
Que felizmente a Poesia vive!

* O poeta se expressa no pensamento do 
seringueiro e a Poesia é como se fosse a 
esperança de que um dia volte a vida na floresta.

POESIAS ACREANAS - Nazareno Lima - 1992



      Recado à minha Mãe – 07/11/90
                                  Nazareno Lima

Mãe, eu não me calei pôr revolta ...
Eu sinto vontade de falar ainda!
Espero uma energia de ti vinda,
Pra içar o eco que o meu peito solta!

Ó Mãe, sejais pois, minha escolta ...
Não me atribuas esta enorme cinda!
Não posso ser agora algo que se finda
Pois, ainda tenho algo a fazer de volta!!!

Mãe, eu sinto a doença me alquebrando;
Apesar de tanto ar, o ar está me faltando
E tu, diante disso não me socorre ...

Minha vida é tão útil a sua vida:
Minha missão ainda não foi cumprida ...
Não posso morrer tal um inimigo morre!!!

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
* O poeta se referia com este soneto a clareza 
com que se via a ameaça do fim da floresta 
amazônica, já naquele tempo.