quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE - 2010

A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE - 2010




1. O Declínio da Produção da Borracha.

O declínio da produção da borracha no Acre teve início a partir de 1949, principalmente por conta do fim dos contratos econômicos internacionais relativos ao abastecimento da II Guerra Mundial.
Acontece que alguns desses contratos de abastecimentos teriam terminados no ano de 1945, outros teriam terminado em 1946, alguns em 1947, outros ainda em 1948, pouquíssimos terminaram em 1949. Em 1950 não havia mais contratos de abastecimento de borracha relativos à II Guerra Mundial.
Se alguém perguntasse: a II Guerra Mundial terminou em Agosto de 1945 e por que em 1949 ainda tinha contratos de abastecimento da Guerra?
Ora, a Guerra deixa muitos prejuízos e destruição, então esses contratos eram para repor a economia industrial abatida ao longo de seis anos de guerra. Os seringais de cultivo da Malásia e do Ceilão foram todos destruídos pelos japoneses e isso também foi uma grande perca não só para a Inglaterra, que era a financiadora destas áreas produtoras, mas também para os EUA, que era um dos maiores importadores desta matéria-prima.
Mas esse declínio da produção da borracha no Acre, não estava relacionado somente ao fato acima citado, ele implicava também na questão ambiental, pois o trabalho do corte das seringueiras matava muitas árvores e daí a produção geral diminuía, uma vez que a reposição natural era menor que a quantidade de árvores exterminadas com o trabalho.
Durante a década de 50 vieram os últimos “brabos” do Nordeste para trabalhar na produção do látex no Acre, e isso sem o auxílio do Governo.
Um outro fator que também enfraqueceu por demais a produção de borracha no Acre foi a agricultura de subsistência que o seringueiro começou a praticar a partir do início da década de 1950. Com essa atividade, ele perdia muito tempo principalmente na época da “broca” e “derruba” do roçado que era feita durante os meses de junho ou julho, época mais propícia para o corte das seringueiras. Nessa época, os patrões, que já não tinham o poder e o recurso dos coronéis, não proibiam ou não podiam proibir a atividade agrícola dos seringueiros do Acre, uma vez que estes não dispunham de mercadorias suficientemente para abastecer os seringueiros durante o ano todo. Diante disso, os patrões não podiam exigir que o seringueiro não plantasse o seu roçado.
Eis a escala de trabalho do seringueiro durante o ano:
Janeiro – O seringueiro não corta por causa das chuvas; alguns cortam até 10 ou 15 do mês para completar a produção, porém em raros casos. O corte durante este mês é muito prejudicial às seringueiras por causa do enorme ataque dos fungos, por conta da umidade dentro da floresta.
Fevereiro – O seringueiro não corta por causa das chuvas e alagações dentro da floresta, uma vez que neste mês, o solo da floresta já está encharcado e qualquer chuva transborda os igarapés, impedindo muitas vezes a passagem do seringueiro.
Março – O seringueiro começa a “roçar” as estradas ou “empicar” alguma estrada nova.
Abril – o seringueiro termina de “roçar” as estradas e “raspa” as mesmas. Quando as chuvas são mais prolongadas, eles “raspam” as estradas no início de Maio, já que não se pode “raspar” as estradas com chuvas, pois cria fungos e seca as seringueiras e pode matá-las imediatamente. Este foi um momento crucial da seringueira no Acre.
Maio – Início do corte. A produção é pouca porque as seringueiras ainda não estão “acostumadas”. Esse termo “acostumadas” é citado pelo seringueiro pelo fato de a árvore da seringueira ter um efeito biológico semelhante a um animal, o látex dela serve de defesa orgânica e quando ferida, acumula uma certa quantidade de látex em volta do ferimento para combater alguns fungos e ajudar na cicatrização daquele ferimento, aí então após 2 ou 3 dias, o seringueiro torna a cortar, e esta por sua vez acumula mais látex com o objetivo de cicatrizar os dois golpes, novamente depois de 2 ou 3 dias o seringueiro torna a cortar, e esta acumula mais látex para cicatrizar os 3 ferimentos, e assim por diante.
Junho – Com as estradas “acostumadas”, a produção de látex é bem maior, porém não se pode cortar as seringueiras com friagem forte, pois corre o risco de “secar” ou “escaldar” as seringueiras. Esse fator acontece por conta de o látex da seringueira coagular através do calor. Ocorre que, com uma temperatura alta, após 3 horas de escorrimento o látex coagula dentro do golpe aberto pela lâmina de aço de 3 mm e após a coagulação do látex que se transforma em cernambi este fecha a saída do látex, estancando o seu escorrimento. Quando a temperatura esta baixa, no caso da friagem, o látex não coagula e a seringueira fica a escorrer seu látex até por 12 horas seguidas. Assim a pobre árvore fica esgotada e naquele ano ela está com sua produção de látex comprometida.
Julho – Mês de maior produção de látex, já que as seringueiras caem as folhas e as friagens são mais fracas. Acontece que quando as seringueiras caem as folhas, grande parte de sua seiva acumula-se em seu tronco e suas raízes, pois é nesta parte de seu fuste, que acontece a fabricação da seiva. Ela precisa fabricar esse material, uma vez que precisa repor nova folhagem, e esta nova folhagem depende da quantidade de seiva que ela produzir enquanto estiver sem folhas.
Agosto – Começa a diminuir a produção do látex, pois a evaporação é muito forte assim como também o calor. Neste caso o látex que coagula pelo calor, uma hora após o corte, muitas das árvores cortadas já estão coagulando seu látex nos golpes e isto acontecendo, estanca rapidamente o escorrimento. No mês de agosto, dificilmente uma árvore de seringueira passa 3 horas escorrendo. Por outro lado muitas das árvores de seringueiras já estão nascendo as folhas e logo que as folhas começam a brotar elas entram em profunda queda de produção de látex. Uma vez que o látex armazenado em seu tronco e raízes transformar-se-á em folhas novas.
Setembro – Poucos seringueiros cortam, já que além de dar pouco látex, as seringueiras começam sua floração e as flores delas fazem coagular o látex no balde ou no saco do seringueiro.
Outubro – O seringueiro “raspa” novamente as estradas e volta ao corte, mas a produção é menor que aquela do mês de junho.
Novembro – O seringueiro corta naqueles dias que não chove. Há anos que faz uma estiagem maior, mas há anos em que o mês de novembro chove muito e isto faz com que o seringueiro largue cedo de cortar.
Dezembro – O seringueiro para de cortar principalmente após o dia 15. Há alguns deles que cortam até Janeiro e isto depende muito das chuvas e também da colocação em que ele está trabalhando, se esta estiver localizada em terra firme, uma vez que em região de várzea é impossível cortar em Janeiro.
Assim a agricultura de subsistência prejudicou a continuidade da produção da borracha, uma vez que em Junho tem que brocar o roçado, em julho tem que derrubar o mesmo e em Setembro e Outubro são os meses em que o seringueiro faz o plantio do roçado.
A agricultura de subsistência foi, antes de tudo, uma necessidade tanto econômica quanto biológica para o seringueiro, já que sua alimentação na floresta era uma das piores de todo o Brasil. A alimentação do seringueiro chegava a ser pior que a alimentação do próprio nordestino. Alguns geógrafos na Universidade Federal do Acre, durante a década de 1980, principalmente a Profª. Bertha Becker, diziam que um dos fatores do baixo desenvolvimento no aprendizado de muitos dos nossos alunos e muitas doenças de nossa população está ligado diretamente a este fator.
A alimentação básica do seringueiro acreano era: carne de caça cosida e temperada no leite de castanhas, isso na zona do rio Acre, Xapuri, partes do Yáco e Purus, lugares esses onde há as árvores de castanheiras; carne de caça torrada ou frita em banha de porco enlatada e feito farofa com farinha  branca ou farinha d’água, ambas de mandioca; vez ou outra o peixe pirarucu seco e feijão de praia, ambos cosidos e temperados com sal, pimenta do reino, alho e banha de porco enlatada, servidos sempre acompanhados da farinha branca ou farinha d’água.
No começo do período do corte da seringa ou fábrico, como eles chamavam, quando o estoque de mercadorias chegava ao barracão do patrão, havia charque, sardinhas e carne em conserva, ambas enlatadas. O leite comum era o do tipo condensado e somente era vendido se houvesse criança na colocação.
A grande maioria dos seringueiros não comia frutas nem verduras e tampouco leite. O arroz era também muito raro na alimentação dessa população silvestre e somente com a agricultura de subsistência, veio melhorar esse abastecimento.
A agricultura de subsistência, como fora dito antes, começou a desenvolver-se, entre muitos seringueiros um pouco antes do declínio da produção de borracha. A partir de 1950 em diante, foi se tornando mais forte e diversificada. No início da agricultura de subsistência, o seringueiro acreano sentiu muita dificuldade em adquirir sementes, ele plantava somente mandioca e milho, depois veio então o feijão de praia e o arroz do tipo 25, altamente duro de descascar. No final da década de 1950, os seringueiros do rio Acre e de seus afluentes já plantavam o feijão mulatinho, a cana de açúcar e criavam porcos. A indústria da farinha de mandioca era feita de forma rústica. Para moer a mandioca utilizavam uma espécie de ralo que eles mesmos faziam de latas de querosene vazia ou a roda de madeira puxada à mão. Outros evitando esse trabalho, uma vez que somente pode ser feito por 03 pessoas, ao mesmo tempo, duas girando a roda, esta, presa por uma peça de ferro sobre um mourão de madeira fincado sobre a terra na forma diagonal e uma cevando a mandioca, faziam a farinha d’água, a qual a mandioca é posta em um recipiente com água para amolecer.
Ao passo que passava o tempo os patrões iam fracassando economicamente e os seringueiros aumentando a sua produção agrícola e a partir de 1962, muitos seringueiros já tinham motores à gasolina para moer mandioca, já que o consumo da farinha d’água não era bem aceita entre os seringueiros.
A partir de 1964, muitos seringueiros já comercializavam certos produtos agrícolas, principalmente feijão, arroz e tabaco.  Com a crise econômica dos patrões, arrendatários e aviados de seringais, a presença do marreteiro ou regatão entra em cena e estes comerciantes ambulantes comercializavam muitos produtos dos seringueiros como borracha, castanha e animais domésticos (porcos, galinhas, gado e etc.).
Em 1965, muitos seringueiros criavam gado e animais de carga, além, é claro, porcos, galinhas, ovelhas e outros. A criação de animais era mais viável economicamente ao seringueiro, uma vez que os marreteiros e regatões tinham maior preferência.
O cronograma básico de trabalho de um seringueiro na agricultura de subsistência é a seguinte:
Junho – broca do roçado. (1hectare) é bom lembrar que a broca é o corte das árvores finas, arbustos cipós e tabocas, usando-se o terçado 128 enquanto que a derrubada é o corte das árvores grossas, estas por sua vez eram feitas com machados.
 Interessante é que o seringueiro costumava fazer o serviço da broca do roçado praticando o famoso “adjunto”. “Adjunto” era uma espécie de reunião, onde se reuniam de 5 a 12 ou mais seringueiros para executarem o serviço da broca do roçado. Era comum, um almoço reforçado à base de carne de porco, galinhas ou carne de caça. Alguns deles faziam uma festa, enquanto outros era somente o almoço. Havia outros que trocavam dias de serviços com vizinhos para executarem esse tipo de trabalho.
Julho – derrubada do roçado. Nesse trabalho, o seringueiro não costumava fazer o “adjunto” pelo fato de ser muito perigoso ocorrer acidentes no caso de muitas pessoas trabalhando juntas em derrubadas de árvores. Era comum a troca de diárias com os vizinhos ou outros seringueiros que moravam próximo. Em julho também era a época de colher o tabaco.
Agosto – época em que se espera o roçado "brocado" e derrubado secar para queimá-lo. Enquanto o seringueiro esperava o roçado secar, arrancava o feijão “mulatinho” ou “rosinha” e 15 dias depois batia o mesmo. Também havia colheita do tabaco.
Setembro – queima do roçado. Enquanto o seringueiro esperava chover para plantar o roçado novo, ia preparando os terrenos do roçado velho ( esse roçado velho era um termo que o seringueiro denominava o roçado que tinha sido do ano anterior) que tinham sido ocupados pelo feijão de “arranca”, feijão de praia e tabaco, para plantar mandioca e milho (consorciados).
Outubro / Novembro – planta do roçado novo: milho e arroz (50% consorciado e 50% somente milho); roçado velho: planta de mandioca e milho (consorciado) em todo o terreno: 1 hectare. É bom lembrar que o roçado do seringueiro era sempre 1 hectare em média.
Dezembro / Janeiro – limpar os roçados. Mandioca e milho consorciado (no roçado velho) e arroz e milho no roçado novo. (50% consorciado e 50% somente milho)
Fevereiro – colheita do arroz e do milho (consorciado). Planta do feijão de praia ou de cordas, em metade da  parte do roçado onde havia a plantação (somente) de milho.(1 tarefa = ¼ de hectare)
Março – limpa e preparação do terreno onde havia a plantação de arroz para a planta do feijão de “arranca” (mulatinho ou rosinha), “virar” o milho onde foi plantado o feijão de praia ou de cordas e preparação de um terreno para plantar fumo (1 tarefa =  ¼ de hectare). O tabaco era uma produção muito rendoza entre os seringueiros.
Abril – planta do feijão de “arranca” e planta do tabaco.
Maio – colheita do feijão de praia ou de cordas.
Com essa atividade numerosa o seringueiro quase não tinha como trabalhar no corte da seringueira e desenvolvia esse trabalho muito atarefado. Tinha uns que cortavam e a família ajudava na “colha” do látex, outros saíam para cortar de madrugada, com o objetivo de, pela tarde fazer alguma atividade no roçado. Outros mandavam a família ajudar no roçado, era um  sufoco, tinham crianças com  9, 10, 11 anos que trabalhavam no roçado e na “colha” do látex. Assim o seringueiro ia lutando para sobreviver sem patrão, independentemente na selva.

5 comentários:

  1. Este trecho de leitura denominado "O Declínio da Produção da Borracha" faz parte do Capítulo 1 do livro "A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE" escrito pelo Prof. Nazareno Lima em 2010. Esta obra ainda não foi publicada por conta de aconselha- mento de amigos e companheiros da Câmara de Historiografia Acreana.

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  2. Este trecho de leitura denominado "O Declínio da Produção da Borracha" faz parte do Capítulo 1 do livro "A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE" escrito pelo Prof. Nazareno Lima em 2010. Esta obra ainda não foi publicada por conta de aconselha- mento de amigos e companheiros da Câmara de Historiografia Acreana.

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  3. Este trecho de leitura denominado "O Declínio da Produção da Borracha" faz parte do Capítulo 1 do livro "A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE" escrito pelo Prof. Nazareno Lima em 2010. Esta obra ainda não foi publicada por conta de aconselha- mento de amigos e companheiros da Câmara de Historiografia Acreana.

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  4. Este trecho de leitura denominado "O Declínio da Produção da Borracha" faz parte do Capítulo 1 do livro "A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE" escrito pelo Prof. Nazareno Lima em 2010. Esta obra ainda não foi publicada por conta de aconselha- mento de amigos e companheiros da Câmara de Historiografia Acreana.

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  5. "A ÚLTIMA REVOLUÇÃO DO ACRE" - será publicada por completo em 2015.

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